Jornalismo a sangue frio

12:24 PM

Terminei de ler A Sangue Frio. Graças a Deus! Cheguei ao final das 422 páginas angustiada como Capote ao receber os telefonemas da penitenciária quando Smith ou Dick solicitavam sua presença.

No início da leitura, logo na primeira parte, fiquei impressionada, rendida à narrativa do autor. Como por intermédio de entrevistas ele conseguira desvelar em nossa frente o último dia da vida dos Clutter e a preparação dos assassinos? Sim, foram centenas de entrevistas, idas e vindas pelo Kansas e por toda a rota de fuga dos culpados, mas... mas como conseguiu sintetizar numa narrativa tão envolvente e cheia de detalhes. Parecia que estávamos vivendo aquele dia, aquela história. Senti-me incapaz a te mesmo de escrever um bilhete, acostumada à narrativa fria e curta dos jornais atuais.

No entanto, com o passar das páginas o trauma dos assassinatos me levou a ver o autor como um cúmplice de toda a brutalidade do crime, com tanto sangue frio como os assassinos. Afinal, sabemos o quanto Capote investiu, em dinheiro e influencia, para atrasar a morte dos assassinos, pagando inclusive advogados. E tudo isso pra quê? Por uma “obra-prima”? Para poder ter tempo suficiente e até mesmo interferir na história para que sua publicação fosse mais atraente aos milhões de leitores que a aguardavam? O alardeado romance de não-ficção!

Entendo agora porque Capote não pôde assistir ao enforcamento de Smith. Ele estava envolvido demais. Talvez sentisse culpa pela interferência e já não conseguisse viver com ela.

Tynan escreveu na edição de 13 de março de 1966 no jornal The Observe, “Não há prosa que valha a vida humana”. Quem dirá sete. Sim, sete: os quatro Clutter assassinados, Hick e Smith (os homicidas) e o próprio Capote, que morrera sem escrever nada mais que valesse a pena, debilitado pelo álcool e pelas drogas.

Como jornalista fica o incomodo sobre as obrigações morais da profissão, principalmente num mundo de imagens frenéticas, de um jornalismo marrom e sensacionalista, onde disseminam programas ditos policiais, que se especializam num jornalismo a sangue frio.


Como leitor, sinto que a vida dos Clutter foi sugada por seus assassinos, por Capote e por nós, leitores.

O livro - A Sangue Frio, de Truman Capote, conta a história dos quatro membros da família Clutter, brutalmente assassinados, e dos dois criminosos, executados cinco anos depois. Ele apurou por seis anos o crime, produzindo um livro que mudaria os parâmetros para pensar os limites do relato jornalístico e o relato ficcional. A Sangue Frio é um best seller internacional e um clássico contemporâneo.

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