De que você precisa?

1:51 PM

Fim de ano é a mesma coisa, sempre vem uma vontade quase incontrolável de fazermos inventário de tudo: do que vivemos, do que conquistamos, do que não alcançamos, das promessas cumpridas, das amizades construídas, das dietas não cumpridas...

Balanços não são de todo ruins, a não ser que nos tragam insatisfação com o que deixamos de fazer. E existe uma linha tênue que separa a alegria do que conquistamos e o vazio do que falta conquistar.

Seria bom se percebêssemos que precisamos de tão pouco e que a lista que projetamos todo ano é uma imposição desnecessária, pois o milagre da vida consiste em fazemos a nossa parte e ver como Deus vem e se encarrega do restante. Afinal, preparamos o ançol, mas é Ele quem nos fornece o peixe; compramos o biquini e Ele nos presenteia com o sol; tomamos vitamina C, mas é Ele quem nos cura; conhecemos pessoas, mas Ele as torna nossos irmãos; nascemos, mas Ele é quem nos dá a vida; morremos, mas é para Ele que voltamos.

A verdade, é que precisamos de muito pouco e na ânsia por encontrar a tal felicidade, perdemos a alegria do caminhar. Há um texto de Vinícius de Moraes que nos lembra de nossas reais necessidades. O texto chamado Libelo diz:

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar – e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar ? E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito...

De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra -- um pedaço bem verde de terra -- e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim – que um jardim é importante – carregado de flor de cheirar ?

E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não valor morar...

De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar -- basta olhar -- um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de paz e de bar ?

E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?

De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular? E enquanto pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em sua onda sem rumo?

Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher -- as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo ..."

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